Transcrição
da página 18 – 22.
Esporte, arte ou ciência? Esporte, arte E
ciência
Se você perguntar a
um Grande Mestre, a um artista ou a um cientista da computação o que faz um bom
jogador de xadrez, perceberá que o jogo é o laboratório ideal para a tomada de
decisões. O jogador profissional tende a concordar com o segundo campeão
mundial, Emanuel Lasker, da Alemanha, que observou: “Xadrez é, acima de tudo,
uma luta.” De acordo com Lasker, não importa como você o defina, o fundamental
é vencer.
O artista Marcel
Duchamp era um jogador de xadrez forte e dedicado. A certa altura, chegou a
desistir da arte em pró do xadrez, dizendo que o jogo “tem toda a beleza da
arte – e muito mais”. Duchamp ainda confirmou esse aspecto do jogo, dizendo:
“Cheguei a conclusão pessoal de que, enquanto todos os artistas não são
jogadores de xadrez, todos os jogadores de xadrez são artistas.” É verdade que
não podemos ignorar esse elemento criativo, muito embora tenhamos de
racionalizá-lo em relação ao objetivo principal de vencer o jogo.
Então, chegamos ao
aspecto cientifico, que a maioria dos não-jogadores de xadrez costuma valorizar
demais. Memorização, cálculo preciso e aplicações da lógicas são essenciais. Quando
surgiram os computadores de xadrez, nos anos 50, a maioria dos cientistas
presumiu que as bestas de ferro logo derrotariam qualquer jogador humano.
Apesar disso, cinqüenta anos depois, a batalha pela supremacia entre homem e
máquina continua.
O sexto campeão
mundial, Mikhail Botvinnik, meu grande professor, dedicou os últimos trinta
anos de sua vida à criação de um jogador de xadrez artificial. Ou seja, não
apenas um computador que soubesse jogar xadrez, algo que era relativamente
simples de conseguir, e na época, já era lugar-comum, mas um programa que
gerasse os lances à maneira do homem, um verdadeiro jogador artificial.
Botvnnik era
engenheiro e discutiu suas ideias com muitos cientistas, inclusive o famoso
americano matemático Claude Shannon, que havia esboçado o projeto de uma
máquina de xadrez em suas horas de lazer. Basicamente, a maioria dos programas
de xadrez “conta feijões”, embora faça isso rapidamente. Emprega força bruta
para examinar todo lance possível com a maior profundidade no tempo designado.
Eles avaliam cada movimento com certa pontuação, e depois escolhem o movimento
com a pontuação mais alta. Botvinnik queria ir além disso, desenvolver um
programa que empregasse lógica para selecionar lances em vez de força bruta de
cálculo.
Em resumo, seu
projeto foi um fracasso. Seus anos de trabalhos de posicionamento e modelos
teóricos nunca produziram um programa que jogasse melhor que um principiante
humano. (Programas de força bruta jogavam em nível de relativa competência nos
anos 70.)Como poderia um computador imitar a criatividade e a intuição humanas?
Mesmo hoje, trinta anos depois, quando computadores jogam em campeonatos mundiais,
eles dependem basicamente de métodos de força bruta.
Todavia,
programadores de xadrez estão chegando aos limites desses métodos. Para
melhorar suas criações, estão sendo obrigados a examinar alguns dos conceitos
de Botvinnik. Seu próprio projeto foi um fracasso, mas muitas das ideias que o
embasaram era valiosas e estavam à frente de seu tempo. Agora que estamos
percebendo que a força bruta não consegue exaurir esse jogo antigo, estamos
começando a retornar à visão de Botvinnik, no sentido de ensinar os programas
de xadrez a pensar como o homem.
Mais que uma metáfora
Sabemos que
computadores calculam melhor que nós, então de onde vem nosso sucesso? A
resposta é a síntese, a capacidade de combinar criatividade e cálculo, arte e
ciência, em um todo que é muito maior que a soma de suas partes. Xadrez é uma
conexão cognitiva única, um lugar em que a arte e ciência se juntam na mente
humana e então são refinadas e aprimoradas pela experiência.
Essa é a maneira em
que melhoramos em qualquer área de nossa vida que envolva raciocínio, ou seja,
tudo. Um CEO (Chief Executive Officer) deve combinar análise e pesquisa com um
pensamento criativo para conduzir a empresa com eficiência. Um general de
exército tem de aplicar seu conhecimento da natureza humana para predizer e
reagir às estratégias do inimigo.
Também é útil termos
um vocabulário comum para trabalhar. Se você ouviu uma conversa que falava de “fase
de abertura”, “vulnerabilidade do setor”, “planejamento estratégico” e “implementação
tática”, talvez tenha pensado que a empresa esteja prestes a fazer uma
aquisição. Mas ela também poderia se referir a um torneio de xadrez de final de
semana.
É claro que o mundo
dos negócios e das forças armadas é ilimitado, quando comparado às 64 casas
demarcadas no tabuleiro de xadrez. Mas é devido a seu espaço limitado que o
xadrez proporciona um modelo tão versátil para a tomada de decisões. Há padrões
rígidos de sucesso e fracasso no xadrez. Se suas decisões são falhas, sua
posição se deteriora e o pêndulo tende para a derrota; se forem boas, ele pende
para a vitória. Cada lance reflete uma decisão e, com tempo suficiente pode-se
analisar com perfeição cientifica se cada decisão foi ou não a mais eficaz.
Essa objetividade
pode proporcionar muitas informações úteis sobre a qualidade de nosso projeto
de tomada de decisões. O mercado de ações e o campo de batalha não são tão
comportados, mas o sucesso nesses campos também depende da qualidade de nossas
decisões, e elas estão sujeitas a métodos de análise comparativa.
O que torna um
gerente melhor, um escritor melhor, um enxadrista melhor? Pois não resta dúvida
de que nem todos se desempenham no mesmo nível ou tem capacidade para isso. O
fundamental é encontrar nossos próprios caminhos para alcançarmos nossos
limites, desenvolver nosso talento, melhorar nossas habilidades, buscar e
conquistar os desafios necessários para atingir o nível mais alto. E, para
fazer tudo isso, primeiro precisamos de um plano.
Mikhail Moiseyevich Botvinnik
(1911 – 95) URSS / Rússia
O patriarca inflexível
O sexto campeão mundial de xadrez – 1948 -57, 1958 – 60, 1961 –
3. Nascido em Kuokkala, Rússia. Quando Alexander Alekhine morreu em 1946, ainda
na posse do título de campeão mundial, foi organizado um torneio dos melhores
jogadores do mundo para definir o novo campeão. Esse evento de 1948 foi
dominado por Botvinnik, que se tornou o primeiro de uma longa série de campeões
mundiais soviéticos. Também trabalhava
como engenheiro, embora o xadrez sempre tenha sido sua prioridade.
Juntamente com o título de “patriarca do xadrez soviético”,
Botvinnik também poderia ser chamado de rei do match-revanche. Ele foi derrotado por duas vezes matches do
campeonato mundial, voltando no ano seguinte para demolir o vencedor. Sua
capacidade de investigar profundamente e de se preparar para enfrentar as
características do adversário estabeleceu um novo nível de rigor e
profissionalismo no xadrez. A capacidade de retornar para vencer os
matches-revanches exigia mais do que tenacidade. Botvinnik era capaz de
analisar objetivamente o próprio jogo e corrigir as fraquezas que seus
oponentes haviam explorado da vez anterior.
Sua natureza intransigente perdurou até o fim da vida. Em 1994,
pedimos-lhe que nos honrasse com sua presença em um torneio de xadrez rápido em
Moscou. Botvinnik, então com 83 anos, declinou o convite, dizendo: “O xadrez
rápido não é sério!”Dissemos-lho que o xadrez rápido era a nova moda e que
todos estariam jogando no evento, até seu antigo rival Vassily Smylov. Ele
respondeu: “Estou acostumado a pensar com meu cérebro. Mesmo que centenas de
pessoas pensem o contrário, não me importo!”
Botvinnik deixou o xadrez profissional em 1970 para se
concentrar em coaching e no novo campo
de xadrez por computador. A escola de Botvinnik convidada os maiores talentos
jovens de todo o país, duas ou três vezes por ano, e produziu várias gerações
de campeões. Na primeira safra, no início dos anos 60, foi o jovem Anatoly Karpov.
Em 1973, um de seus alunos foi Gary Kasparov, então com dez anos. Quando foi a
vez do jovem Vladimir Kramnik, em 1987, ele havia tornado a escola conjunta
Botvinnik – Kasparov – um recorde impressionante de campeões.
Sobre Botvinnik: “Onde perigos ameaçam de todos os lados e o
mais leve afrouxamento de atenção pode ser fatal; em uma posição que exige
nervos de aço e concentração intensa, Botvinnik está em seu elemento.” – Max Euwe, quinto campeão mundial.
Em suas próprias palavras: “A diferença entre o homem e o animal é que
o homem é capaz de estabelecer prioridades!”
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