Qual
o argumento que eu tenho para formular essa, que talvez seja a mais pretensiosa
lista que fiz no blog? Afinal, por quais parâmetros podem ser mensurados os
maiores jogadores de todos os tempos? Rating? Adversários que venceu?
Quantidade de tempo que se manteve como campeão mundial? Todos esses
questionamentos são justiçados, porém em minha defesa, digo que a soma deles,
bem como a inspiração e ensinamentos que me trouxeram (e acredito que ainda
trarão mais) no decorrer da minha vida. Por isso, não espante o seu favorito
não estar na lista, ou em posição dita como injusta. E aos que não jogam
xadrez, recomendo também esse post. Afinal, cada personalidade retratada
abaixo, será no mínimo curiosa de se acompanhar. Recomendo verem alguns vídeos
que anexei, bem como o PGN das partidas dos mencionados.
10. PAUL MORPHY
País:
Estados Unidos
Campeão
Mundial: Não. Por ainda não haver tal competição.
Idade?
47 anos. (1837 – 1884)
“Conhecido
como o orgulho e a tristeza do xadrez”. Imagine alguém bem a frente de seu
tempo, depois multiplique por 5, e ai você está começando a entrar no universo
enxadrístico de Paul Morphy. Seu jogo era tão dinâmico, criativo, e original,
que brilha mais forte que todos os jogos antes de 1900. Em um tempo onde não
havia tanta literatura enxadrística, equipes de análise para campeões, ou mesmo
o jogo era tão levado a sério, pode-se dizer que Morphy tirou de sua própria
mente, como um poema, o que temos há quase 200 anos definido como “estilo
tático e de campo aberto”.
09. YASSER SEIRAWAN
País:
Estados Unidos (naturalizado)
Campeão
Mundial: Não.
Idade?
56 anos (1960 -...)
Figurou
entre os dez melhores do mundo nos anos 80, mas os talentos desse senhor de
sorriso fácil e ótimo senso de humor não pararam por lá. Não apenas um dos
melhores GMs que existiu, Yasser escreveu vários livros que auxiliam qualquer
iniciante ou jogador médio desenvolverem seu nível, conhecido como uma coleção
“Xadrez Vitorioso”, cada livro dedicado a uma fase do jogo: aberturas,
meio-jogo, estratégias, e finais. Embora o livro que eu tenha conhecido-o, foi
o excelente “Meus Duelos com os Campeões Mundiais”. Além de um retrato bem
humano da trajetória dele, é colocado em detalhes seus confrontos com alguns
outros mestres dessa lista. E engana-se quem pensar que ele só perdeu para
eles, ao contrário, teve alguns que ele até aniquilou, não vou contar para não
estragar a surpresa de quem não leu o livro.
“Os jogos estão presentes em
toda a história da humanidade. De todos os jogos do mundo, o xadrez é o único
chamado, com toda a razão, de Jogo Real. O Rei dos Jogos. Que elogio
estimulante! A beleza singular do xadrez tem atraído as maiores mentes da
história humana."
08. MEQUINHO (HENRIQUE
MECKING)
País:
Brasil
Campeão
Mundial: Não.
Idade?
64 anos (1962 -...)
Sim.
Brasileiro não nasceu só pra jogar bola e botar corrupto no poder. De todos os
brasileiros, Mequinho foi o único
que ficou no raking dos dez melhores
do mundo, precisamente 1977 na 3º
posição, abaixo apenas de Anatoly Karpov e Viktor Korchnoi, respectivamente.
Uma doença inesperada, a miastenia. Sua carreira, no auge, foi
interrompida por longos anos, lhe tirando de tão perto de seu objetivo máximo
como profissional. Mesmo tentando retornar no começo dos anos 90, Mequinho só
conseguiu voltar a ativa mesmo nos anos 2000, e mesmo não sendo mais um dos
melhores do mundo, ainda é um dos dez melhores do país. Visivelmente um senhor
de idade, de aparência frágil, ele ainda dá trabalho para jovens no auge da
saúde e intelecto. Mequinho no longo tempo que passou de exílio, formou uma fé
muito grande, que o fez se formar em teologia, e sempre confessa que foi essa
grande devoção a Deus que o fez voltar a viver e não cair na quase morte certa.
O próprio Bobby Fischer se viu em um conflito contra Mequinho nos anos 70, no
qual forçou um empate temendo perder para o Brasileiro. E o temível Mikhail Tal
chegou a ser derrotado por Mequinho, só para citar. Há uma canção do Raul Seixas
chamada “Super-Heróis” que faz menção a esse herói nacional.
“[...] Eu sei o que quero.
Luto pelo o que eu quero. Fazer o Brasil campeão do mundo e divulgar o Xadrez
nas Escolas do Brasil [...]”
07. BOBBY FISCHER
País:
Estados Unidos
Campeão
Mundial: 1972 - 1975
Idade?
64 anos (1943 – 2008)
Por
muitos tido como “o melhor jogador de xadrez de todos os tempo”. É fácil
reconhecer que Fischer seja o jogador mais conhecido pelo grande público, por
ter sido uma das personalidades mais famosas dos anos 60 ao 70, em especial na
“Guerra Fria”. Sua figura foi usada até a exaustão em uma manobra política,
além de claro, ele se encaixar como uma luva no sonho americano, além de prova
viva do individualismo / esforço: um rapazinho, que vai morar no Brooklin e
começa a treinar sozinho aos 7 anos. Em suas próprias palavras no documentário “Bobby Fischer Contra o Mundo”: “Aprendi xadrez aos 6, e aos 7 já estava o
levando a sério”. Aos 10 já era tido como um mito dos clubes de xadrez,
aquela criancinha que mal cabia na cadeira e derrotava cinqüenta pessoas ao
mesmo tempo, como quem está a passear para esclarecer a mente. Aos 15 anos, já
era Grande Mestre (classificação mais alta no xadrez), vale dizer, que na época
que ele conseguiu esse feito, os únicos que tinham conseguido esse prodígio de
ser mestre aos 15, havia sido ele, e o Mequinho. Aos 13 anos, jogou uma das mais bonitas composições já feitas em um
tabuleiro de xadrez contra outro americano, Donald Byrne, conhecida como “O
Jogo do Século”. É de uma genialidade tão profunda, que até as pessoas que eu
conheço e não gostam de xadrez, se admiram quando conhecem. Nas palavras do
próprio:
"Não sou um computador
como os outros querem pensar. Botvinnik disse uma vez que calculo melhor que os
demais, que sou uma máquina, um homem prodígio e também fui uma criança
prodígio. Aqui não há prodígio algum. Sou meramente um homem, mas um homem
extraordinário. Estudo e aprendo cada dia mais e mais, um dia hão de ser meus o
carro mais caro e a casa mais bonita. Na América não há ninguém que possa
comparar-se comigo. Fui campeão nacional 7 vezes o que começa a ser fatigante.
Aos 14 anos fui campeão nacional, com 16 "grande mestre", com 27 anos
sou o melhor do mundo e com 28 serei declarado oficialmente campeão mundial.
Meu objetivo é que ninguém no planeta saiba "mexer as peças" melhor
do que eu!"
06. EMANUEL LASKER
País:
Reino da Prússia
Campeão
Mundial: 1894 - 1921
Idade?
72 anos (1868 – 1941)
Representado
sempre como “o homem que lutava com as peças no tabuleiro, e contra quem as
conduz”, ou mesmo “o lutador”, Lasker, além de enxadrista, e segundo campeão
mundial, era um excelente matemático. Era também um homem bem a frente do seu
tempo, por ser um dos poucos no começo de 1900 a enxergar o jogo como um real
conflito psicológico. Sua intenção era desequilibrar seu adversário, para tanto
suas preparações eram bem específicas, a fim de levar seu oponente para as
posições mais desconfortáveis e estressantes, feito isso, estava ele em seu
“habitat natural”. Segundo o livro “Xeque-Mate”,
de Kasparov, Lasker tinha entre seus admiradores, ninguém menos que Albert Eisten (que também era
entusiasta do enxadrismo), que chegou a escrever o prefácio de sua biografia, e
nele fazer breves questionamentos sobre um ensaio que Lasker havia escrito em
vida sobre a “teoria da relatividade”. A sequência abaixo, não é tida como “A
Imortal Caminhada do Rei” sem motivo, se não conhece, assista, e admire:
"Diante do tabuleiro, a
mentira e a hipocrisia não sobrevivem por muito tempo. A combinação criadora
desmascara a presunção da mentira, os impiedosos fatos, que culminam no mate,
contradizem o hipócrita."
05. JUDIT POLGAR
País:
Hungria / Estados Unidos
Campeão
Mundial: Não.
Idade?
40 anos (1976 - ...)
Não,
não a coloquei aqui entre os “cinco melhores” por questão de cota para
mulheres. Ela mesmo, como mulher, não viu empecilho em deixar sua genialidade
fluir, competindo de igual para igual com as maiores mentes do xadrez que encontrou
pela frente, fossem homens e mulheres, comprovando igual ou superior
inteligência e capacidade do sexo feminino, sem ir à rua mostrar os peitos ou
quebrar igrejas. Chegou a ficar entre os dez melhores do raking mundial,
enquanto do feminino, ocupou o número 1 por longos anos. Comparado com vários
gênios, Susan parece uma doce pessoa “normal”. Sorridente, comunicativa e sem o
“olhar matador” que boa parte dos mestres tem. Acontece, que Susan, faz parte
de uma linhagem de filhas que foram “criadas para serem gênios”. O pai dela, um
cientista chamado László Polgar,
defendia uma teoria de que não se nasce gênio, e sim, que eles são criados, em
sua maioria durante a infância. Em vez de escrever mais, fique com esse
documentário que me fez conhecê-la:
“Gosto
de como me educaram. Mas a minha vida não é só xadrez.”
04. ALEXANDER ALEKHINE
País:
Rússia / França
Campeão
Mundial: 1927 - 1935
Idade?
53 anos (1892 – 1946)
Respeito
e entendo os jogadores veteranos que cresceram admirando a destreza do cubano
José Raul Capablanca. Homem que tinha o poder do xadrez emanando em si tão
naturalmente quanto sua confiante respiração, mito que além de campeão mundial,
tendo derrotado “com facilidade” Lasker, permaneceu quase dez anos sem ser
derrotado uma única vez. Mas enquanto gozava de todo esse sucesso, alguém
treinava nas sombras, dedicando boa parte da vida a derrotá-lo. E esse alguém
foi Alekhine. Não obstante essa determinação férrea que o manteve por sete anos
em um exílio autoimposto para atingir sua forma máxima, os esquemas de Alekhine
são de difícil compreensão para muitos mestres. Imagine o estilo de Alekhine da
seguinte forma como o Coringa: Um criador de caos. Há uns que chamem a maneira
dele de “sem sentido”, “psicodélica”, ou “especulativa demais”. Não a toa, esse
foi o primeiro ídolo da vida de
Garry Kasparov.
“Alguma vez os homens
tiveram que ser semi-deuses; do contrário, não teriam inventado o Xadrez.”
03. MIKHAIL TAL
País:
Letônia / União Soviética
Campeão
Mundial: 1960 – 1961
Idade?
55 anos (1936 – 1992)
Talvez
Tal seja o mais carismático e querido enxadrística de todos os tempos. Digo
“querido”, porque ao contrário de alguns dessa lista, Tal era um campeão dentro
e fora dos tabuleiros, tinha uma postura esportiva invejável, e excelente bom
humor com todos. Foi mais um caso como Mequinho, de ter sido pego por uma
grande doença, que o tirou do ritmo, mas não antes de ter sido campeão mundial,
derrotando Botvinnik,na época, 1960, foi o campeão mundial mais jovem até
então, com 24 anos. Seu jogo é característico por ser cheio de “fogos de
artifícios”, que são sacrifícios de peças que ele fazia para obter uma vantagem
posicional decisiva, deixando seus adversários em dilemas no mínimo
desesperadores. Assim como Alekhine, havia uma intensa magia em ver Tal jogar,
Botvinnik declarou abertamente que se Tal não fosse tão descuidando com a
própria saúde, seria impossível jogar contra ele.
02. MIKHAIL BOTVINNIK
País:
União Soviética / Rússia
Campeão
Mundial: 1948 – 1947 / 1961 – 1963
Idade?
83 anos ( 1911 – 1995)
Não
consigo achar uma definição melhor, do que dizer que Botvinnik é o “Batman do
xadrez”. Seu intenso preparo, disciplina e regras que seguia, fez dele campeão
por 15 anos. Na história dos mundiais, foi o único a conseguir recuperar o
título de campeão mundial duas vezes, com o tempo de 1 ano depois. Primeiro
contra Smilov em 1958, recuperando em 1959, depois perdeu para Tal em 1960,
recuperando em 1961, para por fim ser derrotado por Petrosian, em 1963, e se
afastar as competições, a fim “criar programas de computador que jogassem
xadrez” e “treinar futuros campeões mundiais. Na primeira tarefa, relata
Kasparov, Botvinnik não foi feliz, porém na segunda, foi insuperável, entre os
seus alunos estão os chamados “três Ks”, nessa ordem: Karpov, Kasparov e
Kramnik, todos vencedores do campeonato mundial, e notoriamente entre alguns
dos melhores da história. Sem falar do principal: Botvinnik foi o patriarca da
“escola russa”, ou seja, foi um dos pioneiros a tornar a Rússia imbatível no
xadrez por décadas.
"O xadrez é a arte que
ilustra a beleza da lógica."
01.“K VS K”
Muitos
dirão que o mundial que parou o mundo foi o de 1972, de Bobby Fischer X Bóris
Spassky, mas foi em 1984, que o mundo do xadrez parou com a seguinte questão:
“O que acontece quando um objeto que não pode ser movido, entra em rota de
colisão com um que não pode ser parado?”. Estava aqui a formar, no meu ver, a
melhor rivalidade de qualquer esporte da história humana, travada por duas das
mentes mais brilhantes e antagônicas que o mundo já produziu. Como diria o
Oliver Queen em TDK I “O mundo é pequeno demais para dois caras como vocês
dois, uma hora teriam que se enfrentar.” Portanto seria injusto, escolher um
melhor, e a questão de “quem é o mais forte” sempre será discutida, por
diferentes níveis de jogadores, é tudo uma questão de perspectiva. De um lado,
Karpov, que havia se tornado campeão mundial em 1975 após a renuncia de
Fischer. Fischer renunciou, porque logo após ser campeão em 1972, quis mudar
várias regras do campeonato, deixando parecido com o modelo proposto original,
antes de 1900. A FIDE recusou, e ele “se demitiu”. E por sua “rebeldia” (ou
seria esperteza de sair enquanto tava tudo lindo?) se tornou um mito. Anatoly
Karpov, tinha total investimento do estado russo, e até então havia atropelado
todos os desafiantes para chegar ali. Seu jogo era frio, calmo, e extremamente
posicional. Seu rosto, robótico, lutar contra ele, era como enfrentar uma
rocha. Possivelmente Karpov pode ter sido o campeão mundial de maior controle
emocional que tenha existido.
No
horizonte, surge o irrefreável Gary Kasparov, na época um novinho de 21 anos,
havia sido derrotado por todas as grandes mentes da época na adolescência, mas
dos 17 até os 21, tinha dado o troco em todos eles. E “eles” eram os maiores GMs russos até então. Seu jogo não era
tão estratégico quanto o de Karpov, era extremamente tático, agressivo,
energético. Seus ideais políticos eram favoráveis ao capitalismo do Ocidente,
fazendo dele por si, um inimigo ao estado.
Os
monstros sagrados colidiram em 1984.
Nove
partidas travadas. E o placar estava 4x0 em favor de Karpov. Ás regras ainda
eram que empates não contavam, e vitória valia um, bastava perder mais duas
vezes, e Kasparov teria morrido profissionalmente ali, com 6x0 em um mundial.
“A ameaça da derrota é mais
terrível que a própria derrota.” (Karpov)
Logo
ali, Kasparov usa toda a sua genialidade, e muda todo o seu plano. Vê que não
consegue derrotar Karpov em um confronto direto, e contém seus ataques, levando
a sucessivos empates. E na partida 32, consegue sua primeira vitória. Ficando o
placar 5x1. A disputa, que estava programada para ter até dois meses, estava
chegando em seis meses, e o placar? 5x3. Os patrocinadores, bem como o público
em geral, estava impaciente, com todo o impasse que não parecia haver fim. O
evento foi parado após 48 partidas. O mundo estava atônito. E ambos, cansados.
Mesmo com o placar menor (uma derrota, e estaria fora), Gary Kasparov protestou
publicamente, dizendo que era uma manobra para proteger Karpov, que a luta
continuasse, mas a diretoria da FIDE disse não. E tudo foi adiado para uma nova
competição, em 1985, ambos com o placar zerado. As regras do mundial então
foram mudadas, para haverem 24 partidas. Vitória valendo 1 e empate valendo
0,5. E havendo o placar 12x12, o título mantinha-se com o atual campeão. Em
1985 houveram batalhas ainda maior de ambos. Em vez de escrever descrevendo,
apenas assista:
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