Felizmente não. Há muito simbolismo e ótimas pontuações no
roteiro. Mas há também a perda dos “fios das meadas”, bem como ação “quase obrigatória”
que anula por vezes os raciocínios e reflexões. “Ah, mas eu vou ver esse
filme pra ver porrada, não pra pensar.” Zack Snyder utiliza de maneira
cautelosa seu estilo antes visto em Watchmen e 300, e há uma clara
distinção onde o filme avança sem medo de ser feliz, e onde ele se perde em
meio a explosões e conceitos em aberto. Ao todo, apesar do resultado abaixo das
expectativas, fica claro ao público os três pontos de vista principais que
levam a todas as batalhas: a do menino que “cai e fica no chão”, virando o
vigilante cansado e cruel Batman, a
do alien com poucos referenciais,
sendo sufocado pela massa humana tal qual foi Jesus pelos seus milagres, e o ressentido e maleficamente brilhante
Lex Luthor, pisando entre o desdenho dos “mitos” e inspiração pretendido por
eles, e sua involuntária personificação antagônica, com forte paralelo na de
Lúcifer. Esse é um dos pontos que pode guiar Luthor, o outro é sua cobiçada ânsia
de mostrar que “Deus está morto”,
sendo ele um Zaratrusta que “suja as mãos”
e “dá seu sangue” pelo que é “certo”.
O terrorismo em sua mais lógica essência:
buscar as vias desumanas para justificar a impotência e a negação de seus
desejos buscados de maneira legal. Como em “Lex Luthor – O Homem de Aço (Azzarello
/ Bermejo)”, aqui ele “não pode mudar a cor da grama, mas pode mudar a maneira
que você a percebe”, um fator claramente empregado na mesa da senadora, porém
com outro nome. Aqui ele tem um baixo plano de ataques psicológicos realizados
por ele a Kal-El, chegando quase ao nível Ozymandias X Dr. Manhattan. Seu protótipo
em relação a Ozymandias não para por ai, a diferença é Ozymandias manipular
vigilantes já conhecidos, enquanto Luthor parece ir mais na raiz, os procurando
antes mesmo que se tornem públicos. O
quadro no escritório de seu pai que não descobri o nome, e ninguém
referencia, por ser mais divertido só xingar o filme, é a mais clara
síntese vilão. Ele tenta mostrar uma espécie de desprezo pelos “demônios vindo do céu”, quando na
verdade o diz por ter um maniqueísmo inverso ao tradicional. Por de trás de
toda a incredulidade, Luthor enxerga a própria existência como um mal moldado
por algo que quer ser superior através do contraste dele, em questão o
Super-Homem.
Afinal “Não há como o poder
ser inocente”. Há vários personagens que parecem integrar a personalidade
dele, em especial Dédalo da mitologia grega em suas elucubrações e manias de
grandeza em construir, sendo Zod e boa parte da tecnologia kriptoniana um “ìcaro
que voou perto demais do Sol, o Chapeleiro louco de Alice no País das
Maravilhas em seus trejeitos (que muita gente também pode atribuir ao
referencial de Gene Hackman nos filmes antigos do Super-Homem) e mais uma vez, Lúcifer,
a maneira de não querer ser ofuscado por um bem maior, ou mesmo um bem que deva
ser desmascarado. O telespectador exaltado que chame Luthor de “demônio em
pessoa”, não vai estar muito longe da verdade. Seu assemelha mento ao Coringa
de Heath Ledger, é apenas engano aos trailers.
Seu terror não é para o caos,
mas para ser deus, destronando o deus reinante. É como se os planos de Lex
fosse uma revanche dele e seus mitos inspiradores contra as figuras que se
denominam autoridades: ele contra seu pai, que era um tirano, amigo de tiranos,
Lúcifer contra Deus por o ter expulso do céu, Prometeu por ter sido colocado na
rocha e por ai vai.
O segundo ponto mais interessante, é o de maior tempo em tela: Bruce Wayne. O
filme desde seu começo é uma resposta humana e sem perdão a tudo o que o
Super-Homem possa representar ou destruir, e isso inclui o falso líder e
subjugação da determinação humana em pró da fé cega perante o “falso deus”.
Para Wayne, Super-Homem nada mais é do que uma ameaça que ainda não se deu
conta do que é. Uma bomba relógio que cedo ou mais tarde exterminará a raça
humana, e cabe a ele, desarmá-la, como forma de “Réquiem” de toda a carreira de 20 anos como Batman. A cena feita a
exaustão do assassinato dos pais de Wayne, é plenamente justificável dada a
transcrição do mesmo momento em “Batman
Ano Um”, sem falar nos revigorantes momentos de batalha com armadura
referentes a “Cavaleiro das Trevas”,
o único porém mesmo, é a oscilação ideológica entre o por quê das batalhas
desse filme, e do quadrinho.
Enquanto o quadrinho oferecia todo um contexto
político e pessoal para o confronto, no filme, após o momento em que a lança é
atirada, tudo perde a força. Vira mais uma luta, como qualquer outra sem maior
motivo corriqueira no “herói vs herói
para depois pegar o vilão”. A fúria de Wayne, ao finalmente pegar seu
invencível adversário, só encontra paralelo na de Aquiles ao perseguir Heitor na Guerra de Tróia. E sua “humanidade”
tocada por “Martha”, também só se equipara ao do mesmo Aquiles, ao ouvir a
suplicas do Rei Príamo para levar o
cadáver do filho, embora no filme, a situação seja mais amena.
No terceiro ponto,
apesar de menos interessante que os acima, se encontra o de Kal-El, que parece
dar o tom de lição final a esse longa, com suas ações hercúleas, e terror para
com as políticas estrangeiras. Digo, menos interessante, com certo desconforto,
já que o arquétipo do personagem daria forças para ele ser o melhor facilmente.
A interpretação do Super-Homem que eu aguardava, é apenas arranhada, que seria
mais ao estilo “Miracleman” e “Poder Supremo”, um ser poderoso, além
da moral, perdido em meio a bombardeamentos midiáticos, interesses políticos
manipuladores e alteração cultural de todo o mundo perante sua existência,
incluindo campos da religião, ciência, e economia.
O filme começa seguindo por
esse caminho até sua metade de projeção, mas logo depois Super-Homem vira mais
um refém do que dá título ao filme, servindo mais para divertimento do público
com seu espancamento feito por Batman, do que suas ações tentando corrigir o
que acha errado no mundo. Snyder falha ao achar que Super-Homem conseguirá
redenção com o grande público apenas “matando” o mesmo. Ao contrário, consegue
é desdém, seja do leitor, ou público civil, que não leva a sério a morte do
personagem, sabendo que ele há de retornar no filme da Liga em 2017. E digo que
há falha nessa parte, por sentido
reforçado. Hoje mesmo busquei assistir a animação “A Morte de Super-Homem”, e me vi mais envolvido com a animação, do
que com os 30 minutos finais desse filme. Cheguei quase ao ponto de classificar
a luta contra esse Apocalipse tão prematura e forçada quanto a do
Quarteto-Fantástico em seu último filme. É mais pelo apelo a algo que ponha a
trindade em campo, do que um complemento válido ao que se assiste. Para mim, o
filme acaba no momento que a lança é empunhada e arranha a face do kriptoniano.
Após isso, é apenas “massaveísmo” que justifique um concorrente a “Os
Vingadores”, a lança empunhada, reforço, é a divisão entre filme com conteúdo
politico filosófico, e blockbuster
porradeiro de resolução fácil.
E por último, a
Mulher-maravilha. Grande revelação, a personagem parece ter sido o acerto mais
unanime ao público, embora sua parte de ação esteja ligada a parte que eu corto
da minha visão do filme. Um detalhe interessante, é o encontro dela com Bruce
Wayne, ao som de “Dmitri Shostakovich -
Waltz No. 2” curiosamente tocado no filme “De Olhos Bem Fechados”.
Isso me fez refletir sobre o real sentido
da existência dela ali com esse som. Seria ela a única enxergando? Dados os
exemplos de Wayne com seu funcionário paraplégico, e Super-Homem com a cadeira de
rodas do mesmo, faria sentido. Ou mesmo o que anuncia o som em “De Olhos Bem
Fechados”, que ambos conversam ali, mas haverão de se encontrar novamente,
porém mascarados entre monstros. Adendos interessantes no roteiro, que me
fizeram gostar bastante do trabalho de Chris
Terrio. Outra referência interessante é o ela e Wayne olharem a espada de “Alexandre – O Grande” que desatou o nó
górdio. Uma maneira de mostrar o objetivismo de guerreira da personagem, em
comparação a Wayne que tentaria desatar e investigar o nó, ela tal como
Alexandre, o golpearia com a espada sem remorso.
Há dois caminhos
interpretativos para Batman VS Superman. Seja um, que mostre a descrença e
pessimismo vencido pela esperança – porém com realismo, e não tons de autoajuda
–. Ou um filme de ação 3D, que justifique um ampliado universo DC nos cinemas.
Independente de bilheteria e se concretizar, fico com a primeira opção, e mais
importante, fico com os quadrinhos.
Tô me sentido velho pra essas adaptações, mas vale um gibi empoeirado que
sempre lhe emocione, do que atores tentando dar vida, a algo que já recebeu
vida em nossas mentes e corações por roteiristas e desenhistas mais
competentes.
Nota: 7,8
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