Em momentos
confusos, resolvi dar uma chance pequena a série End Game que eu havia pego os três primeiros episódios no excelente blog parceiro Xadrez Pirata. Meu motivo para detestar séries é a conhecida e tradicional
entendida desnecessária de enredos que existem nelas, basicamente uma série
traz uma coisa interessante, mas cria a necessidade de “atirar para todos os
lados” e dos 50 minutos de cada projeção te entregar dez minutos de conteúdo de
qualidade e outros 40 “enchendo linguiça”. Assisti duas vezes há um filme
argentino esse mês chamado Relatos
Selvagens (falarei e postarei ele em breve) e considero aquela uma obra que
humilha boa parte dos envolvidos em muitas séries de sucesso por ai, o diretor
e roteirista desse citado filme dividem o material deles em seis contos cuja
média de duração é 20 minutos e
conseguem criar relatos que colocam o dedo na ferida de muita coisa do nosso cotidiano,
e sim, tendo mais profundidade do
que temporadas de muitas séries por ai.
Mas como eu dizia:
resolvi dar uma chance para End Game,
apesar do primeiro episódio um tanto mediano para fraco, o segundo trouxe um
dilema moral interessante que colocou dois lados em disputa por algo que é de
um terceiro lado, colocando de uma forma interessante o famoso “meus motivos são mais nobres que os seus”
ou “os fins justificam os meios”:
O protagonista da
série (para quem não sabe ou não se importa) é um fictício ex-campeão mundial
de xadrez, que está resignado dentro de um hotel há três meses pelo motivo de
terem executado a tiros sua noiva bem em frente a esse hotel. Quando esse
enxadrista tenta passar pela porta e ir para a rua, vem nele uma sensação de
pânico incontrolável, o que o faz ficar sempre resignado de pijama jogando
xadrez e enchendo a cara de Vodka. A maneira dele não se sentir tão inútil (porra,
temos algo em comum) é tentando resolver casos que aparecem (caso da semana
ungh), porém se tratando de resolver o de sua noiva, ele cria um bloqueio
mental, dado o trauma. Esse enxadrista é ótimo persuadindo as pessoas para lhe
auxiliarem a resolver os casos na parte física do trabalho, se olhar bem, pode
existir até uma parte metafórica nisso tudo, colocando o enxadrista como um Rei
acuado e usando as pessoas como peças estratégicas (moralmente errado ou
válido?).
No segundo
episódio, é efetuado um assalto em um jogo de poker (ilegal) dentro do respectivo hotel. Logo o enxadrista se
oferece a resolver, caso ganhe 15%
do que foi roubado. Entre várias reviravoltas, é mostrado que o ladrão foi à
casa de um primo trabalhador operário, chegou lá baleado (resultado do assalto)
e o ameaçou para que tirasse a bala dele e o operasse. O que se sucede é que o
assaltante morreu (ou foi assassinado?), o trabalhador se livrou do corpo e
fica com a grana dele. Em outra parte, o enxadrista encontra uma prostituta que
presenciou a execução da noiva dele, e o conta tudo que sabe e mais um pouco se
for dado a ela 25 mil. Ela conta o
que sabe e some do mapa para uma vida nova, esse é o trato.
Logo após o
enxadrista descobrir sobre o que o trabalhador fez, o chama uma segunda vez
para a sua casa, (ele havia ido antes ser interrogado) e diz ter encontrado o cadáver.
O que se sucede é um jogo de manipulações psicológicas, dado que quando o trabalhador
chega à casa do enxadrista, já vem com todos os seus filhos que ainda são
crianças, como uma barreira de peões.
Quando se associa xadrez com quase tudo na vida e encontra-se uma série que o
faz propositalmente, é confortante... O trabalhador chama o enxadrista para um
duelo no tabuleiro, e temos esse diálogo que eu achei bem interessante:
“...—Fui campeão de
xadrez na faculdade de medicina.
-- Então sente-se.
-- Sei que você
operou Yashar.
-- Ele não quis
sedativos, achou que eu chamaria a polícia.
-- O que você falou a
ele?
-- Que foi um
namorado ciumento, por isso não ia há um hospital.
-- Você quis saber a
verdade?
-- A bala atingiu a
artéria hepática, precisava de sangue. Após as suturas, ele teve um infarto.
Ele não quis a sedação.
-- Por que achava que
você roubaria o dinheiro?
-- Que dinheiro?
-- O dinheiro que ele
roubou. E que você vai devolver, ou eu chamo a polícia.
-- Na Turquia eu era
como esse Bispo: ajudava as pessoas. Aqui sou um peão. Alguém que leva seu
lixo.
-- Perdi um
campeonato mundial por um peão, respeito peões.
-- Se eu tivesse dinheiro,
poderia estudar medicina aqui, quem se prejudicaria?
-- Os que Yashar
roubou.
-- São ricos, é
dinheiro de diversão. Perderam se divertindo? Bom para eles.
-- Eles não acham
isso...
-- Você joga cartas?
Dados? Não, claro que não. Só xadrez dá chances iguais. É tudo o que eu peço.
-- Isso e 100 mil,
preciso do dinheiro para pegar quem matou minha noiva.
-- Sua noiva morta é
mais importante que meus filhos vivos? Você viu, uma católica chamou um
mulçumano de santo, porque médicos podem fazer milagres.
-- Devolva o dinheiro,
hoje, ou entrego o corpo de Yashar a polícia.
-- Está bem, você
venceu! Crianças, vamos!
-- Mas o que
aconteceu com o tapete Milas daquelas fotos?
-- Vendemos para
Savas poder ter aulas de violino. Você terá seu dinheiro hoje a noite.
-- ...”
Uma pequena ressalva,
é que na dedução do enxadrista, o trabalhador teria usado um tapete que tinha
na sala para enrolar e levar o corpo...
Para finalizar, uma
frase dita ainda nesse segundo episódio, em cerca de 20 e poucos minutos de
projeção, algo que entrou instantaneamente no meu caderninho de bolso:
“Bem, alguns corajosos saem no mundo e vão
criar arte, jogar esportes, fazer ciência e até guerra, mas se quer fazer os
quatro... Tem que jogar xadrez.”
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