Era
manhã de sexta-feira, um tanto sem vontade eu peguei mais um ônibus, lotado
como sempre, onde aos poucos movimentos tento pegar algum livro, devidamente me
segurando com a outra mão. O que se sucedeu hoje foi um atraso além do normal, pouco
antes da metade do caminho o trânsito entrou em estagnação, com direito a
pessoas em multidões passeando por pistas e calçadas, um cenário digno de algum
blockbuster americano. Porém
diferente de como mostrado no cinema, aqui o caos tem consequências críveis, e
nosso envolvimento evolui de espectador para participante.
Desci
do transporte. Resolvi caminhar ao som enquanto viajava com ”The Blue Danube”. Tive vontade de ficar
nervoso, falar uns trinta palavrões que nada resolveriam procurar alguém para
culpar... Fui traçando a linha de sempre na mente, em que lembrava o tempo que
se fosse 1KM ou 30KM, eu estava sempre montado na minha bicicleta, gostando de
guiar literalmente o meu caminho, sem ter que depender de outros e ficar em situações
como essa. Me lembrei de uma citação, talvez seja de John F. Kennedy, algo como
“Se certifique de na hora de maior
tensão, ser o cara mais frio da sala”, e de algum modo pude usufruir de bastante
foco e tranquilidade para continuar meus passos no meio de todas aquelas
pessoas, que mais lembravam formigas descoordenadas em uma fileira, devido a
formiga maior que as comandava ter se acidentado na frente. Eu olhava bem mais
de perto, vendo que a maioria preferia sentar e esperar tudo ser resolvido,
contra outra parte se divertindo normalmente com esses celulares comuns de hoje
em dia que possuem “Whats app”.
Mais
a frente e vejo a causa daquilo: Estudantes fecharam o principal ponto da
Avenida, que justamente impedia que mais da metade da cidade chega-se ao
trabalho. O motivo? Um protesto em relação a medida que o novo governador impôs
de não renovar o contrato do Estado com uma empresa de transporte de coletivos
dedicada a levar as “crianças” para o Complexo Educacional do Estado (CEPA). Eu
já estudei lá, por alguns anos, eu devia ter uns 17 ou 18. Era um inferno esse
transporte, peguei ele por umas duas semanas, e na época não trabalhava, vim
pedir grana para o transporte para a minha mãe, dizendo a ela dos problemas que
esse local tinha, como falta de organização para entrar, gigantesco barulho
dentro dele (já que as criancinhas todas não possuíam dinheiro para transporte,
mas que por coincidência possuíam todas celulares de ultima geração para tocar reggae ou funk). Preferi caminhar por cerca de três horas para chegar em
casa, do que ficar naquilo, após uma semana fazendo isso eu fui ouvido. A vida
não é tão simples assim, não basta acontecer algo errado para alguém reclamar,
já que isso como eu vejo cada vez mais, quase nunca dá em nada, para eu retomar
a multidão, não posso ignorar um simples arquétipo parasita que ronda cada vez
mais instituições de ensino: O Comunistinha revolucionário.
Eu
não condeno todas as pessoas que tem essa direção politica, condeno sim boa
maioria por serem extremamente hipócritas, eu mesmo já tive um professor
socialista que é um exemplo de profissional e pessoa para mim, tanto que quando
eu terminei o ensino médio, datilografei um bilhete a ele agradecendo pelas
aulas, que eu iria começar a fazer Ciências Sociais. E em algum momento no futuro
daria aulas de Sociologia e Filosofia. O exemplo desse professor, infelizmente
é a mais rara exceção. Ao invés de sair aos trombones promovendo “revolução”, a
verdadeira revolução dele era dar aulas de História de maneira inteligente e
dinâmica, estendendo o conteúdo para gramática, Direito, nos entregar cultura (Chopin
e Chico Buarque eram frequentes em suas aulas) ou mesmo discutir com a sala sobre
politica, de maneira questionadora, sem precisar injetar doses de Marx. Além de
nas horas vagas ele limpar as salas com alguns alunos, ou mesmo deixar todas as
bancas em ordem, são atitudes de alguém que faz a diferença. Claro que para a
maioria, um professor como ele é só um desajustado, porque quem eles querem
mesmo é “O Agitador.”
O Agitador é em vias das vezes, um ser extremamente politico, popularmente conhecido como alguém que não “dá ponto sem nó”, porém para boa parte dos estudantes, mais centrados em futebol, baladinha ou novela, esse cara passa a ser o redentor. Aprender formalmente sobre leis? Não, isso é “coisa de velho”, diz o Agitador, o certo é ir as ruas clamar o que se quer, não importando os meios para isso. O que choca com a questão de boa parte dos pais não terem estudado ou dado disciplina ao filho, quando não ignorado, e deixado para a instituição educacional à tarefa de ser referencial ético, instituição que permite que agitadores interrompam aulas para se autopromoverem com o disfarce de “estar convocando para lutar por seus direitos”, me fazendo finalmente voltar a cena lamentável que atrasou a mim e milhares: Dois veículos fechando a rua, os agitadores utilizando megafones, com uns duzentos estudantes como escudo. Ninguém poderia passar, ou era agredido. Lojas ao redor? Apedrejadas. Policia tentando negociar? O mesmo. Ao ritmo que eu me aproximava, eles gritavam algo como “Aécio é um filho da puta!” (também não entendi, já que o alvo era o Governador, candidato do PMDB, que por sua vez é coligado com o PT, mas tudo bem, vamos apenas registrar que na mente deles, o Aécio é um “demônio fascista que estava envolvido de alguma forma”).
Enquanto
helicópteros traçavam o perímetro, ao longe eu vi um muro preto avançando, e o
temor dos covardes que causaram a situação, subindo gradativamente. Ano
passado, a cidade estava uma zona maior, qualquer um, estando certo ou não,
fechava qualquer rua, fosse uma Avenida ou Rodovia e ficava por isso mesmo. No
máximo vinha a Polícia Militar sem muito poder de ação. Mas dessa vez os
agitadores se decepcionaram, contando que o novo Secretário de Defesa Social
fosse um velho xerife disposto a negociar com terroristas. Em segundos, os
agitadores pediram calma aos alunos enquanto a Tropa de Choque avançava, e os
alunos? Fizeram como os mutantes em “Cavaleiro das Trevas”, foram atacando de
impulso com pedras e garrafas. Me sentei no canto disso para observar o
espetáculo, em meio a tantas vezes que é possível se livrar das coisas nesse
país, pelo menos eu veria agora alguns “revolucionários” não só limparem a
merda que fizeram, mas terem a cara esfregada nela. As bombas de lacrimogêneo
iam vindo mais, me lembrei de um amigo meu que virou policial que disse o
quanto o fedor é quase insuportável, e ele tinha razão. Todos correram, mas eu
não queria, tudo o que eu queria era avançar e chegar no meu trabalho, se eu
corre-se teria que fazer um grande contorno, e isso não estava nos meus planos.
Continuei avançando, para tentar no canto por eles. Até que senti um peteleco
no meu braço direito: uma bala de borracha calibre 12. No calor da emoção eu
não tinha raciocinado sobre a falta de inteligência que é avançar sobre eles em
um cenário daqueles, onde eu podia ser facilmente confundido com algum
bagunceiro. Tive que retomar, chateado por isso, mas recompensado por ter visto
que o novo Xerife não vai permitir mais gracinhas desse tipo acontecendo
corriqueiramente, que causa voltou a ter efeito, esse é o mundo que eu vivo,
são as regras que valem, o crime tem de ser punido, e não tolerado. Não me
incomodo nem um pouco em ser chamado de nazista ou algo que o valha por
defender que as coisas não podem ficar de graça, e nem mesmo de dizer que nem todo
pobre é uma vítima, bem como nem todo rico é um opressor, enxergar o mundo de
maneira simplória, só faz com que situações como essa virem um dominó que
atinge todos, principalmente os mais pobres como eu e a maioria. Ter força e
honra na vida são escolhas, feitas a duras penas, testadas nas suas maiores
quedas, e o melhor é que não envolve cor, religião, classe ou preferência
politica ou social. O que envolve é a clara atitude de não aceitar ser vítima
das circunstâncias.
O QUE O PROJETIL SIGNIFICOU
PARA AS PESSOAS AO MEU REDOR?
Abaixo
algumas frases que eu escutei tanto na rua, quanto no trabalho sobre o
acontecido, cabe a você concordar ou não com alguma delas:
“Pode não a policia tratar a gente assim,
quando eu crescer vou ser traficante pra matar esses filhos da puta.”
“Queria
que esse tiro tivesse sido no meu olho, só assim eu tirava uns quinze dias de
licença.”
“Vá
no jornal local e mostre o braço pra eles, se fosse comigo eu ia lá.”
“Vai
na imprensa, o cara indo trabalhar e levar um tiro desses. O governo tem que
lhe dá dinheiro, isso ai vale bastante dinheiro.”
“Foi
bomba que o tio injetou no braço.”
“Foi
uma tatuagem que o tio fez.”
“Chega
ai pra eu tirar uma self contigo pra eu colocar no whats app.”
“Com
esse povo eles chegam atirando, agora cadê que entram ali nas grotas? Lá é
diferente meu amigo, lá ia ter bala pra eles também.”
E
aqui alguns links de sites locais que noticiaram:
Essa sequencia de quadrinhos
extraída da obra Marvels, resumi bem o meu pensamento sobre o projétil:
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