Quase a minha vida
toda eu detestei irracionalmente a DC. Se haviam dois símbolos máximos dela que
eu odiava sem conhecer o mínimo eles eram Super-Homem e O Batman. Um por
excesso de poder, e outro por não os ter, desde que eu tinha oito anos
conhecendo e admirando apenas a Marvel com o nerd que vira um palhaço (no bom sentido) quando veste a fantasia,
com uma família de astronautas voando em um carro, ou os mutantes sendo lixados
na rua após algum ato heroico, sempre havia uma linha que eu hesitava em
cruzar, no ápice da minha ignorância achando que estava muito seguro com tudo o
que eu sabia e seguia, o que nos leva a esse cínico conto sobre o Coringa.
“Afinal, quem cruzou a linha no final? Batman
ou o próprio Coringa?
Ao meu ver, eu não
classifico O Batman como um Super-Herói. No meu conceito, seres assim são os
que possuem poderes, com adversários com poderes, nos levando a confrontos
lógicos (ou não) sobre o fim do mundo. Não, Batman é um vigilante, não que isso
diminua o heroísmo de suas ações, pelo contrário, enaltece, não lembro qual HQ,
mas certa vez o Super-Homem disse “Se eu não tivesse todos esses poderes, eu
dificilmente me arriscaria a fazer alguma coisa que Bruce faz”. Frank Miller
deixou explicitamente claro em Cavaleiro das Trevas o quanto humano e às vezes
falho pode ser Batman, ou o quanto sua grandeza humana pode inspirar e despertar
atitude parecida na sociedade.
Um vigilante que
encontra um individuo chamado Coringa, Não só um desafio moral ou físico, mas
racional, Como pode parecer, Coringa realmente é como a velha piada: “O sonho
do velho palhaço do circo sempre foi esperar o dia em que ele pegasse fogo.”
Coringa nessa HQ é bem semelhante ao Comediante em Watchmen, alguém que abraça o lado negro da humanidade como verdade
predominante, se comporta como tal e põe qualquer um ao redor em situações que
o faça se comporta da mesma forma ou pior.
Em “Piada Mortal”
Moore ironiza o quanto próximos e dependentes um são um do outro, começando com
Batman indo ao Asilo Arkham para uma tentativa de conversa coerente com o
Coringa, percebendo que esse fugiu e colocou um sósia no lugar. A sequência é
centrada em Coringa nada mais menos que aleijando a filha do Comissário Gordon
na frente dele, o capturando para um “circo dos horrores” e fazendo com que o
mesmo veja fotos da filha nua e estuprada (tentando despertar no velho
instintos sexuais sobre a própria filha, alguns supõem) e seja levado nu
através de uma coleira.
Batman chega a
tempo de uma luta ilustrada de maneira excepcional por Bolland. Um ponto
recorrente nos quadrinhos de Batman é o comportamento do ser humano sofrendo
mudanças extremas diante de tragédias, sejam elas benéficas ou em grande parte
maléficas, e nesse ponto Moore faz com que Coringa insista, afinal ele não
consegue se conformar com uma idéia de um homem integro se arriscando pelo bem
comum, Coringa perde como mostrado na história a esposa e tudo o que tinha,
tentava como ultima maneira ser um humorista, mas sempre fracassava, até um
belo dia cair em um tanque de ácido e ter um “surto psicótico” e não ver mais
seriedade na vida, que tudo não passa de uma grande e insensata piada de mal
gosto ao qual ele quer comandar.
Encurralado,
Coringa escuta a proposta sensata de Batman sobre esse conflito entre ambos
acabar. Não se pode continuar em uma situação dessas, onde um a qualquer
momento pode matar o outro, e tudo o que escuta de resposta de Coringa é uma
piada (mortal?) sobre o que a situação lembra:
“Escute só...
Tinham dois caras num hospício! Uma noite eles decidiram que não queriam mais
viver lá e resolveram escapar para nunca mais voltar. Ai foram até a cobertura
do asilo, e viram ao lado, o telhado de um outro prédio apontando para a Lua...
Apontando para a liberdade. Então um dos sujeitos saltou sem problemas pro
outro telhado. Mas seu amigo se acovardou... É... Ele tinha medo de cair. Ai o
primeiro cara teve uma idéia. Ele disse: “Ei! Estou com minha lanterna aqui, eu
vou acendê-la sobre os dois prédios e você atravessa pelo facho de luz!” Mas o
outro sacudiu a cabeça e disse: “O que você acha que sou? Louco? E se você
apagar a luz quando eu estiver no meio do caminho?”
Cada leitor que tem
um modo próprio de enxergar determinada história, combinando os conhecimentos
que tem, vivências, o que acha que o autor quis passar e inúmeros fatores, a
minha teoria vem agora, por isso o parágrafo inicial sobre o cruzamento de
linhas. Sejamos sinceros? Cair em um tanque de ácido e ficar louco? Seria o
mesmo que chamar um personagem como o Coringa de unidimensional. Não, ele é tão
racional como o Batman, mas é sua paixão pela desordem, seja no modo de agir,
como no modo de amar. E quando eu falo amar, eu incluo o Batman, Coringa ama
ele, é obsessivo por ele, precisa dele, e não possui um ódio irracional como a
maioria dos vilões. Todo esse comportamento é apenas um modo dele atrair. E a
paixão dele não é nada obvia ou entendível, ele ama o Batman por ele ser o que
ele não conseguiu ser, ao mesmo tempo que tenta corrompê-lo como uma maneira de
fazer com que Batman assuma o lugar dele, é doentio e curioso. Grant Morrison
também crê nisso quando escreveu Asilo Arkham, e não fica nas insinuações,
Coringa realmente avança sexualmente em Batman assim que ele entra no Asilo, e
tenta quebrar a consciência que ele conheça por real o tempo todo. Em Cavaleiro
das Trevas (mais uma vez, afinal é a melhor história do morcego até o fim do
mundo), Coringa se insinua o tempo todo para Batman, pedindo beijos, abraços, e
fazendo uma espécie de declaração de amor disfarçada no momento da própria
morte. Pessoalmente, eu creio que Batman não mataria o Coringa, chegaria perto,
como chegou muitas vezes, mas não mataria, mas acredito que a ultima sequência
desse quadrinho, Alan Moore tenha colocado um possível assassinato do Coringa
pelas mãos do Batman, ou que ele tenha colocado Batman como um maníaco que tem
como perversão alimentar a vontade de Criminosos como Coringa para que essa
batalha seja eterna e ele nunca fique sem adversários, o que põe o discurso
racional de Batman como uma farsa que ele faz devido ao sentimento vago de
culpa que possui por ser um maníaco...
Essa história é tão genial de múltiplos sentidos, que só agora na minha
sexta leitura dela antes de terminar esse texto, que finalmente vi sentido na
piada contada pelo Coringa... A Piada de um palhaço fracassado que teme
atravessar o que o separa da liberdade, com medo de que seu “parceiro”, Batman
não o corresponda com ele indo ao mundo civilizado, fechando com a grande
tirada de Batman e Coringa sendo dois loucos presos por uma grande tragédia,
com um pulando para a razão e o outro para a loucura, no eterno paradoxo de que
um pule para a área do outro, o que convenhamos, nunca vai acontecer.
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