Perfeitamente Estranhos



Ela gostou dos meus sapatos.
“Onde os comprou?” quis saber.
Eu respondi que os havia comprado em Paris,
Numa loja da Rue Lafayette.
“Ah!” ela exclamou. “Você viaja muito?”
Acho que ela ficou encantada
(E o pior é que era verdade,
Como era verdade que eu detestara Paris)
E respondi que não viajava muito,
Só uma vez perdida,
Que eu gostava mesmo de ficar em casa,
Lendo um livro, escutando música,
Quando não estava aferrado ao trabalho
Quarenta e oito horas por dia!

Aí, ela me encarou como se eu estivesse
Mentindo ou fazendo pouco do que me dizia.
“O dia não tem quarenta e oito horas”,
Ela disse, agora admiradíssima,
Mas num tom de quem estava
Muito bem informada.
E respondi que era verdade, que o dia
Tinha vinte e quatro horas,
Eu só estava brincando um pouco para quebrar o gelo.


Estou farto desses encontros de bar,
Sob a fumaça fria,
Entre um copo e outro de cerveja.
Essa mise-en-scène é demasiado vazia:
Cada um escuta do outro o que há
Para oferecer por uma noite,
Aquelas motivações áridas da vida,
Permeadas pelo tédio, a dor e o cansaço.
Tudo parece girar em torno do mesmo eixo
Que as aspirações desenganadas impõem dia a dia,
Como se impõem no comércio
As tramas entre o preço e o lucro.


E vou dizer mais:
Como é enojante acordar no dia seguinte
Num quarto de motel tendo ao lado
Alguém perfeitamente estranho.



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